Artigo: Poesia contemporânea
        (publicado em newsletter de 1999)
Algum poeta alguma vez disse alguma coisa 
      como "não há arte revolucionária sem linguagem revolucionária". Essa frase 
      é apenas de efeito (a lógica pode desmascarar frasismos) ou deve ser vista 
      como parâmetro realmente funcional para a avaliação de percursos artísticos?
      
      O mercado cultural barateou os dignos nomes de cada arte, esvaziando sua 
      estética, e o criador autêntico sabe que deve contrapor-se a isso. Parece-me 
      consciente, por exemplo, a revolução de Brecht, que inovou e sempre se dispôs 
      a formar e informar seu público, trazendo-o realmente à reflexão. Sua "revolução" 
      participava um conteúdo de sensível relevância.
      
      Mas muita poesia que tem sido feita hoje — com base em impressões supérfluas 
      do cotidiano, palavras esparramadas e muito desejo de concisão astronômica 
      — relega ao leitor um papel subalterno de desvendador de quebra-cabeças 
      miúdos. O leitor não forma seu bom gosto pela estética formal, nem se informa 
      pelo conteúdo: cabe-lhe admirar o maneirismo lacunoso do rabiscador de letras 
      minúsculas em poemas de caixa-baixa.
      
      Ocorria o contrário com nossos últimos "papas". João Cabral e Drummond são 
      espetaculares porque uniram, a um trabalho formal peculiar e enriquecido, 
      conceitos humanos de importância. Severas críticas modernas à sociedade 
      em nosso século foram armadas pelos concretistas originais. Se João Cabral 
      ou José Paulo Paes exigem às vezes que o leitor dedique-se para alcançar 
      suas idéias, os louros conquistados pelo vencedor acabam como bastante concretos 
      em seu espírito. Seu leitor não é um ser inferior. 
      
      O que aconteceu? Para sobreviver neste mundo em que o capitalismo "venceu" 
      — para sobreviver como ideólogo mesmo, não como ser físico — o poeta contemporâneo 
      tem precisado apoiar-se numa profunda egolatria. Se não se auto-enganar 
      (utilizando aqui a análise de Eduardo Gianetti), cerrará as portas de seu 
      botequim de poesia e procurará outra coisa para fazer. Enquanto os capitalistas 
      lideram no mercado das artes com seus padrões rígidos de execução (isso 
      vale para cinema, música, literatura, teatro), certos poetas (profissionais 
      ou amadores — como discerni-los, num mercado tão restrito e de tanto prejuízo?) 
      precisam se resguardar numa ebúrnea torre de arrogância.
      
      Entretanto a aflitiva precipitação desses poetas a tudo que pareça ruptura 
      formal perde-se no curioso engano dos retardatários: um modelo já usado 
      apenas parece inovador, mas não revoluciona mais, o que só deverá ser percebido 
      no momento de historiarmos esta fase.
      
      Em que período literário vivemos? O dos epígonos do concretismo!