Resenha: "Por
que acredito naquele que fez o mundo"
(resenha inédita, sobre livro lançado em 2000)
Antonino Zichichi, renomado físico italiano, preside a Federação Mundial de Cientistas e professa com vigor sua crença cristã. Conhecido tanto por sua fé como por sua pesquisa científica de ponta, escreveu Por que acredito naquele que fez o mundo (Editora Objetiva, 244 páginas) para demonstrar por que entende tratar-se de um equívoco a idéia de que a ciência, em sua alegada frieza materialista, não dê margem à possibilidade de transcendência.
É importante dizer que seu livro não é nenhuma catequização: ele está menos afirmando dados em prol da religião do que negando os argumentos contra ela. Tenta pelo menos empatar uma partida que seus adversários já consideram decidida.
A “novidade” do livro está na sua idéia central: fé e razão são consoantes, não antitéticas. O autor destaca eventos da história da ciência - incluindo sua própria experiência como pesquisador - argumentando que é possível entender as grandes descobertas como um contato cada vez mais aprofundado com os mistérios da criação - com os mecanismos pelos quais o Criador articulou o Universo e permitiu seu desenvolvimento autônomo. Não é difícil perceber a idéia de que essa criação não seria um sopro de vida derivado de uma divindade antropomórfica, mas o movimento inicial que configurou a matéria do universo de maneira a dispô-la às transformações que produzem, na mecânica das estrelas ou na evolução biológica, desde as galáxias a todas as formas de vida.
Se a Ciência busca conhecer o funcionamento do Universo, a cultura moderna privilegia o “cientificismo”, que, segundo ele, confunde Ciência com técnica (o uso da ciência) e chega a ser a negação da ciência. Para ilustrar isso, destaca a história de Rutherford, o cientista que descobriu o núcleo do átomo, a quem interessava “entender como o átomo era feito”, mas que, ao anunciar sua descoberta, teve de ouvir com desgosto a pragmática pergunta do repórter: “esta descoberta não poderá ter aplicações no campo da energia?”.
É esse tipo de visão - jornalística e imediatista - que faz o autor afirmar que não vivemos a “era da ciência”. Se a vivêssemos, haveria menos mistificações e mais valores como a verdade, a tolerância, a luta contra os preconceitos e a liberdade de pensamento. Acrescenta que “o homem da chamada era moderna possui uma cultura que é quase pré-aristotélica”. Isso acontece porque “a Ciência fez muita Ciência, mas pouquíssima cultura” e “sempre deixou que outros falassem em seu nome”.
Embora Zichichi não disponha tais termos, sua base filosófica é um dualismo cartesiano - talvez por isso questione a moderna filosofia da ciência, contrariado com sua ênfase pragmática e relativista. Assim, distingue Transcendente (o mundo espiritual) de Imanente (o mundo físico que cabe à Ciência estudar) e afirma que “o ateísmo não é ato de Razão no Imanente, mas de exclusiva e injustificada negação do Transcendente”. Se a Ciência se ocupa do Imanente apenas, ninguém pode lançar mão dela para negar o Transcendente, que só pode ser acessado pelo ato de fé. Fazer isso é, portanto, agir com tanta fé quanto os maiores crentes: fé no Nada. É seu argumento mais simples e, ao mesmo tempo, mais contundente.
Da mesma forma, não cabe alegar que não exista uma demonstração da existência de Deus, primeiro porque não poderia mesmo haver, no Imanente, uma demonstração do Transcendente, e segundo porque há verdades aceitas no próprio Imanente e que não são passíveis de demonstração (como alguns teoremas matemáticos).
Mestre e pesquisador avançado na área de física, não toma muitas precauções ao comentar outras disciplinas, questionando de forma precipitada certos aspectos do darwinismo e afirmando que “como trabalho filosófico, O capital é uma obra de pouco sucesso”. Mas ele está longe de ser um obscurantista: é um pensador voluntarioso, valente, culto, cheio de idéias originais, e sua dificuldade para estabelecer uma precisa estrutura ideológica certamente reflete a histórica confusão ideológica da própria religião que professa - o catolicismo, cujos personagens produziram tanto benevolência quanto barbárie, cujas instituições erigiram escolas mas condenaram Galileu, cujas verdades dogmáticas nunca deixaram de ser um tanto maleáveis ao longo do tempo.
Num assunto tão polêmico e vasto, é compreensível que se produza obra com lacunas, talvez imprecisões, e teses não de todo demonstradas. Mas a essência se mantém com firmeza, e os argumentos mais sólidos sustentam o interesse dessa obra para cientistas e leigos, para religiosos e para incrédulos.
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